Em meio a chuva
Por Frederico Oliveira
Era mais um dia de chuva. E, outra vez, todos na rua abrem os guarda-chuvas. Todos? Não, todos não. É melhor reescrever o texto:
Era mais um dia de chuva. E, outra vez, a maioria abre seus guarda-chuvas. Alguns procuram abrigo em marquises, em locais cobertos. Mais uma chuva passageira, vespertina, na Pça. Joaquim Lúcio, Campinas. Uma chuva que acabaria logo e os transeuntes nem se lembrariam, nem faria tanta diferença na vida deles. Mas tem também aquela mulher. Não era a primeira vez que corria para se esconder. Não era a primeira vez que a vida lhe colocava para 'se virar'. E aquela só mais uma chuva na tarde.
Tinha outrora sido alguém importante, pelo que se lembra. Bem, se é que ela ainda estava lúcida. As pessoas na rua gritavam que não. Aquelas eram pessoas más. Tinham lhe dado o apelido de 'Sebosa'. “Não entendem que não tenho como lavar-me?”. Era esta sua realidade. Tinha o seu cantinho, bem pertinho do coreto. Era onde se entretia, vendo os passageiros que esperam o ônibus, os religiosos saindo das igrejas próximas, todo aquele movimento. Onde se alimentava, com as ofertas alheias. Conhecia o bairro, era quem mais caminhava por aquelas ruas. Era na parede ao lado do coreto onde se encostava para dormir.
Tinha seus colegas da rua. Muitos estavam lá a mais tempo, nem se lembravam de seus passados. Outros chegaram a pouco tempo, levados pela vida. Um garoto de 14 anos que tinha feito da rua lar, onde tinha seus prazeres em fumar algo. A moradora conhece também aqueles que não querem chegar bêbados em casa e, por isto, dormem noutro canto dos domínios dela. Tem também aqueles que se tornavam vizinhos por escolha, garotos fugidos de casa, sem rumo. Encontram em breve nas ruas diversão, ou melhor, algo que suprisse esta falta. Mesmo que algo não tão saudável.
Estava também acostumada a promessas que não se cumpriam. Prometiam-lhe levá-la a um lugar melhor, onde teria uma cama. Mas nem sempre este lugar agrada todos. O fato é que hoje nossa personagem realmente mudou-se. Mora agora nas proximidades da Praça A. Com um amigo. E tem todo seu enxoval na nova casa: uma coberta para o tempo frio e só. Afinal, ela é “depreendida” dos bens materiais. Tem uma pedra solta do calçamento como travesseiro, o chão frio como colchão e, em dias de muito frio, dorme próximo ao colega de casa. Ganhara seu cobertor no último Natal.
“Ê, época boa.”. Se ainda fosse criança, com certeza acreditaria em Papai Noel. Embora o bom velhinho fosse melhor com os mais abastados, dava algumas coisas para ela também. Trazia uma coberta nova (ele sabia a hora exata! Geralmente esta chegava quando a outra estava toda puída), comida, um pouco mais de dinheiro. Sabia que era porque no Natal todos ficavam estranhamente mais generosos. Aqueles que a mandavam tomar banho todo ano, tinham coragem de ceder suas casas para ela se arrumar. Lógico, algo muito raro. Mas tinha dezembro em que isto ocorria.
“Não entendo este povo. Dizem que a gente é louco. Mas, pra mim, loucura é não cuidar dos outros. A gente se cuida. Agora, aí fora, não se importam. É cobra comendo cobra.”. Coitadinha, não? Está louca e se achando lúcida! Mulher estranha!
Em breve posto a continuação... Se tiverem alguma consideração a fazer, abusem do espaço dos comentários!
"Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22:39)
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